De volta novamente! Aqui vamos ver como, onde, quando e porque as equipes da CART foram em direção da IRL e de suas próprias convicções.
Movimentos migratórios são bonitos apenas na natureza.
É bem simples descrever o movimento migratório: pessoas/entidades/coisas saem de um local para outro em busca de condições ambientais melhores do que as encontradas no local anterior. Isso normalmente acontece com animais velozes, com bactérias de grande mobilidade ou até mesmo com moléculas em solução, e aconteceu também com algumas equipes durante a cisão. O estudo de movimentos migratórios é importantíssimo e entender as causas desses movimentos evidencia muito sobre a constituição dos indivíduos e dos ambientes envolvidos.

Então, vamos fazer nada disso. No capítulo passado, vimos causas para ambas as categorias, CART e IRL, perderem espaço nos EUA para a NASCAR (combo quádruplo de siglas), creio que ela dará uma boa base dos motivos para as equipes migrarem e muito do que vamos falar por aqui. Sim, isso é uma inDIRETA para você lê-lo ou relembrar bem o texto, ele serve como base para tudo o que será discutido aqui.

Você leu? Não leu? Pois bem, continuemos.

Não estive todo esse tempo entre o texto anterior e esse fazendo nada. Pesquisei um pouco e coloquei atrajetória de todas as equipes que passaram pela CART entre 1996 e 2002, nossos anos base onde a CART esteve melhor e onde ocorreu o movimento migratório por parte natural. A partir de 2003, com a CART passando por mudanças drásticas e modificando completamente seu jeito de ser, houve outro movimento migratório, que será abordado no capítulo 6 da série. E, em 2008 houve a famosa ""reunificação"" e a grande maioria das equipes que não estavam na IRL foram para lá, e esse foi o terceiro movimento migratório, que será abordado no capítulo 9.

O resultado está no quadro abaixo, se você não consegue ler, só clicar nela para ampliar. Nela tem todas as 26 equipes que passaram pela CART entre 1996 e 2002, com seus respectivos anos de atuação. Cada ano tem duas colunas, uma para a temporada completa (ou, no mínimo, 85% dela) e uma para meia temporada, com a porcentagem da temporada disputada, sendo que quando essa porcentagem está em vermelho quer dizer que ela disputou apenas a Indy 500. Nos códigos, a letra "c" designa uma temporada da CART, a letra "i" designa temporadas disputadas na IRL, e tem quatro cores: azul para equipes que disputaram só a CART naquele referido ano, verde para temporadas disputadas apenas na IRL, cinza para equipes que disputaram etapas em ambas a temporadas e branco para quando a equipe não esteve em atividade esse ano.  Parece difícil, mas foi a forma mais simples que achei para juntar todas as temporadas de todas as equipes.

Grande quadro do movimento migratório CART --> IRL
Com exceção da Galles que migrou para a IRL de vez entre 96 e 97, e da Dick Simon, que morreu em 96 na CART e ressuscitou na IRL em 99; conseguimos notar um envolvimento maior das equipes, principalmente das grandes equipes (Penske, Ganassi, Green/Andretti e Rahal) com a grande inimiga que se tornava, aos poucos, vizinha com o gramado mais verde.

Talvez vendo caso a caso seja mais fácil entender a situação, então vamos lá!

Galles e aventuras pré-migração, pois...

Pancho Carter, Valvoline, Coors Light. Essa era a Galles no começo.
Rick Galles é um ricaço do Novo México que também é apaixonado por carros. Nos anos 80, criou um time para a Can-Am, mas logo migrou para a CART, com o lendário e já experiente Pancho Carter.  O time cresceu rapidamente e alcançou um lugar nas equipes grandes quando se associou com a Lola, obtendo também o apoio da empresa de rádios e transmissores Kraco e das famílias Unser e Rahal, conseguindo alcançar o título da CART em 1990 e a Indy 500 de 1992 com Al Unser Jr. e também, segundo a lenda, foi o responsável por reanimar Bobby Rahal a continuar como piloto.

Entretanto, em 94, Galles se via sozinho. A Kraco teve de cessar seu patrocínio no automobilismo devido a uma queda vertiginosa nas suas vendas, por crise interna e vários problemas mais; a família Unser partiu toda pra Penske quando Big Al se aposentou e Little Al entrou em seu lugar na equipe de Roger Penske e Rahal partiu em carreira solo com o ânimo reavivado. Com isso, a equipe que alinhou três carros em 93 se viu com apenas um carro em 94, para o então estreante mexicano Adrian Fernandez.

Esse foi o começo do fim para a equipe, que passou a ter cada vez menos dinheiro, sendo obrigada a migrar para os chassis Lola e motor Mercedes, que eram mais em conta do que os chassis Reynard e os propulsores Ford. A equipe saiu do grupo das mais poderosas rapidamente, e caiu ainda mais em 1996, quando Fernandez e Galles, que não se bicavam tanto assim, "se retirou" com seu patrocinador da equipe quando Eddie Lawson e a Delco Eletronics assinou com a Galles para 96.

Mas, no primeiro trimestre de 96, as coisas mudaram um pouco. A Delco ofereceu a Rick Galles a oportunidade de alinhar um carro na Indy 500 de 96 com o patrocínio da fabricante de produtos eletrônicos. Galles diz que, ao contrário da relação Walker-Valvoline, não houve nenhuma coação ou algo do tipo, segundo Galles "Eles [a Delco] disseram que não faria mal correr [Na Indy 500], eles são daqui do estado e convidaram quase mil pessoas para acompanhar a prova e eles fazem um ótimo trabalho patrocinando a nossa equipe, então se eu puder fazer algo para ajudá-los, eu farei".
Galles e Jones foram os primeiros a se arriscar na Indy 500 de 96.
Aquela única prova na IRL acabou se revelando uma oportunidade para Galles, pois o segundo lugar conquistado na Indy 500 refletiu em mais atenção para a equipe do que toda a temporada disputada da CART, onde teve alguns problemas após Lawson e a Delco desistirem de continuar na categoria antes do término da temporada. Com a Lola proporcionando cada vez menos avanços em seus carros para 97, Galles acabou fazendo a mudança da CART para a IRL no início de 97 e permaneceu lá até 2001, contando, inclusive, com a volta de Al Unser Jr aos monopostos.

O caso da Galles foi o único caso extremo de troca da CART pela IRL, muito pelo fator de ter sido grande antes, mas estar passando por dificuldades e estar desanimada com tudo isso; não estar tão ligado assim com outras organizações que atuavam na CART, como montadoras e fabricantes; e ter gente interessada em ver ela na IRL a ponto de convencê-la a trocar de categoria. A Walker também chegou a correr na Indy 500 de 1996 a pedido de sua patrocinadora, a Valvoline (que patrocinava também a transmissão da Indy 500) mas a equipe já tinha grande ligação com a Ganassi, se tornando meio que sua equipe satélite; enquanto Della Penna e a Project X frequentavam a IRL para conseguir algum dinheiro de premiação e patrocínio e a Dick Simon e a Hall optaram por não correr na IRL quando suas participações na CART passaram a ser inviáveis.

Vale ressaltar que a Comptech, que deixou a CART em 96 e alinhava apenas um carro para Parker Joshtone; quando este parou de se interessar por monopostos e voltou ao endurance, a equipe fechou suas operações e migrou para a IRL mas não imediatamente e não como equipe, mas sim como fabricante/construtora de motores para as principais equipes que corriam com os motores Oldsmobile a partir do ano de 98/99.

Tanto a Hall quanto a Dick Simon perderam seus patrocínios da temporada de 96 para a temporada de 97. No caso da Hall a Pennzoil se interessou mais pelo projeto da IRL, que prometia maior visibilidade para patrocinadores e para o entreterimento e, quando a Hall se negou a alinhar carros na IRL, a Pennzoil preteriu a equipe em detrimento de outras escuderias da categoria ovalística de Tony George (como a Pagan e, mais a frente, a Panther), deixando a Hall sem patrocínio e sem conseguir competir na CART e vendeu seu espólio para a Davis Racing Team. Já Dick Simon chegou a se envolver um pouco coma IRL em 96, por meio da Team Scandia, pois muitos de seus amigos ex-pilotos foram disputar corridas na nova categoria; com isso, os pilotos pagantes da CART diminuiram em grande número, com a maioria deles advindos da Europa, onde Dick não tinha tanto interesse; em 97, Simon vende toda sua estrutura para seu sócio na IRL, Andy Evans, para dirigir sozinho a Team Scandia na categoria ovalística.

Isso porque a IRL simplesmente não atraía muitos daqueles que eram mais ligados à CART, devido as características da nova categoria, com todo o mote de ser muito barata e acessível, dando ares de amadorismo. Esse ponto afastou Dick Simon e Jim Hall de migrar para a IRL em 97 e fazia com que a categoria de Tony George fosse quase que completamente relegada pelas equipes da CART.

A CART toma atitudes para maior acessibilidade da categoria em 97...

Última corrida da Dick Simon na CART, em 96.
Depois de perder quatro equipes de uma cajadada só, a CART acendeu o sinal amarelo em meados de 97, com a ameaça de algumas equipes de saírem do certame no ano seguinte e o grid da CART começar a minguar significativamente.

Primeiramente, a estreia das regras da IRL, com todas as equipes com chassis e motores muito diferentes da CART. Enquanto os pilotos da CART pilotava carros motores turbo de 850 cavalos-hora de potência, a IRL vinha com aspirados de estrondosos 4.0 L e 600 cavalos que, apesar de mais lentos e beberrões, eram customizáveis e mais difíceis de quebrar. Os chassis também se tornam completamente diferentes, com fabricantes diferentes. CART e IRL finalmente se tornavam categorias diferentes.

O segundo ponto foi revelado em meados de 97, quando a CART anunciou que os donos e as equipes não pagariam mais taxas fixas para permanecerem do conselho dos diretores da CART.  Não entendeu? Então vamos abrir um parêntese aqui.

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Antes de 98, a CART tinha como principais rendas os patrocínios, tanto da categoria quanto das provas; uma porcentagem dos direitos de imagens; uma parte da renda dos ingressos e vendas com a marca da categoria e uma contribuição de cada um dos donos de equipe para permanecerem filiados à CART.

Como a renda das outras vias era bem grande essa contribuição não era muito grande (não passava de algumas centenas de milhares de dólares) e as equipes conseguiam cobri-la facilmente com as cotas de direito de imagem ou dinheiro pago por patrocínios. Entretanto, com o passar do tempo, o peso da contribuição foi ficando mais pesado ano após ano, pois a contribuição aumentou consideravelmente, enquanto os patrocínios de algumas equipes diminuiam de tamanho.

A categoria, assim como a maioria das equipes também vinha sofrendo um pouco com a falta do dinheiro para financiar seus projetos, pela diminuição do público e de patrocínios que foram para a IRL ou para a NASCAR. Fazer com que equipes e fabricantes arquem ainda mais com esse custo seria muito perigoso e afastaria ainda mais as equipes de seu campeonato.  Em meados de 97 a situação já era mais complicada com a queda na audiência (em 1995 eram cerca de 12 milhões de espectadores nas provas transmitidas, número que caiu para menos de dez milhões na temporada de 97, com algumas provas tendo audiência menor que um ponto) e aumento nos custos, com a tentativa de correr no Texas Motor Speedway e a reforma completa do Chicago Speedway para sediar uma etapa do campeonato.
Com o dinheiro eles também compraram a Indy Lights em 98. Esse é o jovem Felipe Giaffone na jovem Conquest.
Para reverter o quadro da falta de dinheiro geral, a CART realizou um movimento ousado: a venda de ações na Bolsa de Nova Iorque (NYSE). A categoria fez uma oferta em capital aberto onde ofertaria 4 milhões de ações em nome da categoria, também houve a conversão da contribuição que cada um dos dos franqueados da categoria (os donos de equipe), ofertou em mais ações, que poderiam ser comercializadas em conjunto com as da categoria. Essa oferta de pedaços imaginários da categoria eram, na verdade, participações nos lucros.

Em suma, dezenas de milhões de ações da CART foram vendidas na bolsa, e isso atraiu MUITO dinheiro para a categoria e para as equipes. elas começaram a ser comercializadas a 16 dólares cada mas logo valorizaram e chegaram a passar dos 20 dólares e gerando uma receita bruta para a CART e suas equipes em quase 300 MILHÕES DE DÓLARES de capital.

Com essa dinheirama toda, além de mais dinheiro no novo patrocínio da FedEx e da venda dos direitos de imagem da categoria, pra quê ir para a IRL?

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Essa nova injeção de dinheiro na CART fez com que as equipes que ameaçavam sair do certame permanecessem. Apenas a Project Indy/CART (que visava justamente pay drivers) e a Davis Racing (que dependia, basicamente, de Arnd Meier) faliram. Com essa atitude, bem como a diferença entre CART e IRL fez com que os donos da CART permanecessem até meados de 99. Exatamente, apenas dois anos...

Que funcionam só até a Ganassi mudar....

Sei que vocês gostam da pintura da Ganassi em 90, mas, sério, é tudo horrível nessa foto.
A equipe do ex-piloto Chip Ganassi teve uma ascensão meteórica durante os anos 90, principalmente devido a sua associação com a fabricante Reynard, com o patrocínio forte da Target e com Roger Penske, e ascendeu ao rol das grandes equipes com menos de cinco anos de idade.

Ela também foi a equipe com maior sucesso na CART pós-cisão. A combinação dos chassis Reynard com os motores Honda levou a Ganassi a ter sempre o melhor equipamento presente na categoria, principalmente devido as escorregadas da Penske na hora de fazer chassi, do desinteresse crescente da Lola e da Mercedes e da Toyota e Swift não engrenarem na CART. A equipe patrocinada pela Target, até 1999, acumulou quatro títulos seguidos dirigindo a combinação Reynard-Honda, com a Ganassi sendo a equipe que ajudava a desenvolver tanto os chassis quanto o motor e se tornando o braço americano de ambas as empresas.

A parceria da Ganassi com a Reynard veio desde o início da aventura da montadora inglesa em terras americanas e, quando a Penske e a Lola erraram a mão ao mesmo tempo, em 96, a Reynard começou a dar o troco com um chassi que fazia bem o trabalho, principalmente nos circuitos mistos. A parceria com a Honda demorou mais tempo; a fabricante nipônica começou seu desenvolvimento em 93 coma Rahal-Hogan, mas com a mesma saindo do certame da CART pela primeira vez, ainda em 95, desenvolvendo o mítico HRH e levando a Honda ao primeiro título de fabricantes de 96, em cima de Ford e Mercedes.

Com as parcerias fortes, tanto a Reynard quanto a Honda conseguiram uma grande sequência de projetos bem realizados, resultando em melhores chassis em Motores. Nos quatro anos seguintes, os chassis Reynard ganharam quatro vezes seguidas o campeonato de fabricantes com os 96, 97, 98 e 99I, enquanto a Honda conseguiu três títulos de motores no mesmo intervale de tempo com o Honda RH, Honda RK e Honda RS Series, o Honda RR só não garantiu o título de motores de 97 pela falta de Alex Zanardi na última prova do campeonato.
Bem melhor os esquemas do tetracampeonato.
As três (Ganassi, Honda e Reynard) viviam tempos de glória, mas money talks.

A principal patrocinadora de tudo, a Target, não vinha tão satisfeita assim. O problema nem era dominância e tal, mas a rede de supermercados estava descontente com a categoria em si. Os gastos com desenvolvimento dos carros, bem como com a competição cada vez menos valia a pena perante o retorno de visibilidade da categoria. Dessa vez, Chip Ganassi cedeu.
Às vezes você tem que ir para onde os negócios te empurram. É muito nobre ser um idealista, mas, no fim, você tem que fazer um modelo de negócio que funciona. Sozinho, eu não era rico o suficiente para manter toda a estrutura e continuar competitivo.
E não foi apenas em correr a Indy 500, naquele mesmo ano, Ganassi trocaria todo seu conjunto Reynard e Honda para audar a desenvolver os chassis Lola e os Motores Toyota, sendo que ambas as trocas foram motivadas por dinheiro. A Penske, em meados de 99, parou de fabricar chassis próprios para a categoria, e estava em busca de uma nova fabricante para fabricar carros; depois de uma série de negociações, a equipe de Roger Penske assinou coma Reynard que abandonou a Ganassi nas negociações. Para contra-atacar, Chip se uniu aos sócios Paul e Carl, da Newman-Haas, que estavam insatisfeitos com o desempenho da Swift, para desenvolver os chassis Lola e fazer frente a escuderia de Roger Penske. Nos motores, a Toyota ofereceu um contrato de cinco anos para Chip Ganassi, com cifras de dezenas de milhões de dólares. Ganassi aceitou.

Na passagem para a Indy 500, com a Target de patrocinadora, a Ganassi foi de chassi G-Force, que se comportava um pouco melhor que os Dallara nos ovais com menor inclinação e nas corridas mais longas. Tendo apenas alguns dias de testes privados antes das atividades em Indianápolis, Juan Pablo Montoya (então campeão da CART) e Jimmy Vasser (ex-campeão da CART em 96), onde ambos andaram competitivos desde os treinos dos novatos, valendo-se da grande experiência dos engenheiros da Ganassi em competir em Indianápolis, apesar de não competirem faz cinco anos. Os dois ex-campeões brigaram pelas primeiras filas no primeiro dia de tomada de tempo, onde Montoya fez o segundo e Vasser fez o sétimo melhor tempo.

Nevezareth.
A presença de Montoya e Vasser foi ameaçada. A etapa da CART e Nazareth, que era para ocorrer em meados de abril, foi adiada, pois a neve invadiu a pista naquele fim de semana; por uma incrível coincidência a nova data da prova foi para o sábado anterior a Indy 500. Mas os dois pilotos da Ganassi fizeram a maratona, correram no sábado e embarcaram rumo à Indianápolis. Na corrida, além do bom ritmo de ambos os pilotos, a experiência em acertos, os pit stops até três segundos mais rápidos da Ganassi e a batida de Greg Ray, o favorito entre os pilotos da IRL a levar a Indy 500 daquele ano, colaboraram para o domínio de Juan Pablo Montoya naquele ano.

A incursão da equipe na Indy 500 de 2000 foi um sucesso tão grande que o programa foi estendido para 2001, dessa vez com QUATRO pilotos (Vasser de novo, Nicolas Minassian, Bruno Junqueira e Tony Stewart) e também abriu margem para outras grandes equipes tentarem o mesmo caminho.

Entretanto, no início, o intuito era apenas de fazer incursões na Indy 500, sem entrar realmente no certame da IRL. Entrar na Indy 500 era uma coisa, e entrar na IRL era outra, na visão das equipes da CART.

Chip Ganassi era um dos seis donos de equipe que ainda permaneciam no conselho diretor da CART (depois que a categoria abriu para aplicações na bolsa de Nova Iorque, pessoas com um mínimo de ações e fortes ligações com a categoria faziam parte do conselho diretor da CART), junto com Gerry Forsythe, Carl Haas, Pat Patrick, Bobby Rahal, Derrick Walker, Dale Coyne e Bruce McCaw (PacWest*). Ganassi tinha acordos muito sólidos com Toyota e Lola, além de nome e história na categoria, ele precisaria de grandes motivos para entrar na IRL.

E a IRL não dava esses bons motivos as grandes equipes. A categoria de Tony George dava mais lucors apenas pelo fato de sua forma de regulamento para com o carro (chassi, motor, e etc.), que era planificado e fazia as equipes economizarem tanto na compra quanto no desenvolvimento dos mesmos. A categoria de Tony George, apesar de ter crescido exponencialmente em quatro anos, acumulava apenas 25% do capital de funcionamento da CART em 1999, a audiência da IRL ainda era parecida com a da CART pelo simples fato da categoria de Tony George passar mais vezes na TV aberta americana e a presença do público nos autódromos chegava a média de 60 mil em 99, enquanto a CART possuía mais de 95 mil pessoas de média de público nos autódromos. A IRL cresceu a ponto de competir coma CART em atração de público, mas, com exceção feita à Indy 500, nunca a superou de forma retumbante.

O modo de competição praticado pela IRL também não atraía Chip nem os outros donos de equipes grandes, pois a falta de variedade, o pack racing e a falta de liberdade em testes de ajustes e restrições em mudanças no carro afastavam-os, julgando que a competição entre equipes fica mais restrita a sorte e condições do momento do que a preparo e desempenho de mérito.

E abrir a porta para novas equipes fazerem incursões na IRL.

Andrettis de volta à Indianápolis!
A vitória retumbante de Montoya e da Ganassi na Indy 500 de 2000 chamou muita atenção de todos, mas principalmente, dos envovidos com a CART. A situação de correr apenas a Indy 500, mesmo que com chassis e motores diferentes do habituado pelas equipes da CART, passou de ideia absurda e sem relevância para algo viável com grande retorno financeiro.

No ano seguinte, não só a Ganassi estava presente com quatro carros, mas a a Team Green colocaria um carro para Michael Andretti voltar a disputar a Indy 500 e e a Penske voltou à Indy 500 de um modo diferente. A Green foi para as 500 milhas no mesmo estilo da Ganassi, juntando todo o apelo que um Andretti e seus tabus, aliado ao grande patrocínio da Motorola. O caso da Penske parece igual, mas foi ligeiramente diferente, e será discutido mais abaixo.

Assim como Chip, Barry Green não tinha pretensões de sair da CART para ir rumo à IRL, pois, apesar de seus negócios na categoria não irem de vento em popa como antigamente, eles não tinham muita perspectiva de melhora na IRL.

Entretanto, essa ideia foi mudando aos poucos, principalmente pela escalada de custos originada pela guerra de chassis e motores, por problemas entre os dirigentes da CART e os donos de equipe e alguns problemas de gestão foram afastando aos poucos as equipes da categoria de monopostos que não corria na Indy 500. Assunto que é o alvo do próximo capítulo (o 6/10, desculpa ficar evocando coisas que farei no futuro). Naquele ano de 2001, a saída de Andrew Craig, etapas canceladas e uma queda nos rendimentos da CART, incluindo uma queda grande na bolsa de Nova Iorque fez com que a CART perdesse ainda mais liquidez e força no mercado, e trouxesse ainda mais desconfiança dos chefes de equipe. Assim, cada vez mais essas saídas no meio do ano para disputar a Indy 500 cada vez menos tinham apenas pretensões financeiras.

A Indy 500 daquele ano voltou a ter três semanas de treinos e um dos pilotos favoritos do lado da IRL, Greg Ray, liderou a maioria das sessões, mas, no fim, Scott Sharp, da Kelley, foi quem conseguiu a pole. Ray teve de se contentar com o segundo lugar, e Robby Gordon fechava a primeira fila. Apenas Gil de Ferran (Penske), Tony Stewart (Ganassi), Hélio Castroneves (Penske) e Jimmy Vasser (Ganassi) se classificaram no primeiro dia, mas todos os carros das equipes da CART se classificaram no segundo dia.
A IRL já era muito retardada. Primeira fila da Indy 500 de 2001. Ray de azul, Sharp de amarelo e Gordon de verde.
Na corrida em si, novamente os pilotos da IRL tiveram grandes problemas ou batidas. Sharp rodou ainda na primeira volta, alegando pouco aquecimento dos pneus no tempo frio da largada. Greg Ray e Robby Gordon tomaram a liderança, mas logo Gordon começou a ter problemas de rendimento ainda nas primeiras 50 voltas e Ray teve problemas na suspensão próximo da volta 120, ambos perdendo várias voltas na garagem. Com uma prova com duas bandeiras vermelhas por causa de chuva e várias bandeiras amarela, as estratégias tomaram conta da Indy 500 daquele ano, e as equipes da CART, mais experientes com corridas bem longas e mais rápidas em pit stop e mudanças de estratégias, dominaram novamente as 500 milhas. Hélio Castroneves liderou as últimas 50 voltas antes de vencer a Indy 500, trazendo junto mais seis carros da CART nos seis primeiros lugares. Eles foram os únicos a completar as 500 milhas na mesma volta do líder, proporcionando novo domínio sobre os carros da IRL.

O novo sucesso, aliado aos problemas da CART, fizeram os donos de equipe, principalmente Penske e Ganassi, se animar com a IRL, fazendo novos planos de se aliar a categoria de Tony George, trazendo parte de sua estrutura, pilotos e inclusive alguns ovais que estavam sob suas tutelas para o certame da IRL em 2002. Nesse ano, Penske, Ganassi e Mo Nunn já tinham pelo menos um carro em todas as 15 etapas da temporada de 2002, enquanto a Rahal e a Green, alinhavam também na Indy 500. O California Speedway e o Michigan International Speedway se juntaram aos Gateway International Raceway e o Pikes Peak International Raceway no certame da IRL, fazendo com que quase metade das equipes e pistas ovais da CART também tenham negócios com a IRL e colaborando fortemente para a bancarrota da CART.

O caso especial da Penske.

Mister Indy 500.
O caso da equipe Penske acaba se tornando bem diferente dos casos acima, devido à posição de Roger Penske. Desde meados dos anos 90 Roger foi multi milionário e bem relacionado, assim quase não havia dependências por patrocínio (como tinha a Ganassi e outras equipes da CART) ou com fabricantes de qualquer tipo (como Green e Forsythe). Automobilisticamente falando, Roger Penske era um homem livre.

Essa posição transformava Penske no fiel da balança. Penske é uma pessoa cerebral, que, apesar de ser apaixonado por automobilismo, sempre pesa os vários aspectos deste para tomar suas decisões. Durante todas as negociações da cisão, antes mesmo da IRL realizar seu primeiro campeonato, Penske sempre tomou a linha de frente nas negociações com George para encontrar um ponto em comum entre ele e a CART, chegando mesmo a negociar apenas os dois para uma participação das equipes da CART na Indy 500 daquele ano.

Quando houve a cisão, Penske ficou no óbvio lado da CART e pouco considerou entrar na IRL, assim como os outros diretores de equipe da CART, pois o modelo de competição da IRL que monopoliza o desenvolvimento e distribui os carros já "prontos" para as equipes agradou a nenhum deles.

Entretanto, ao perceber para onde toda essa disputa estava se direcionando, Penske não deixou de olhar com carinho e cogitar correr as 500 milhas de Indianápolis:
É importante vencer em toda corrida, mas, sem dúvida, há algumas corridas que tem uma visibilidade global maior. A Indy 500 é uma dessas provas. Vários de nós [donos de equipe da CART] correríamos a Indy 500 se não tivéssemos que correr as outras corridas [do campeonato da IRL]. Nos dias de hoje, eu não voltaria as 500 milhas sem meu chassi e o motor da Mercedes, além de poder escolher como eu quero correr e ajustar meus carros.
Essa declaração foi dada pelo próprio Penske a RACER, em fevereiro de 97, quando a guerra entre CART e IRL fervilhava, com a regra 25/8 ainda valendo e a categoria de Tony George se distanciava da categoria dos donos de equipe. Muitos donos de equipe, como os sócios da Newman/Haas Gerry Forsythe e até seu parceiro Bruce McCaw da PacWest, não viam com bons olhos essa declaração de Penske, outros, como Chip Ganassi, Barry Green e Bobby Rahal, concordavam em partes com Penske. Eles não desejavam correr na IRL, perdendo grande parte do que é o automobilismo: a parte do desenvolvimento de motor, dos testes, dos ajustes, da diferenciação entre você e seu vizinho de garagem; mas correr a Indy 500 é algo de suma importância para todos eles, pois eles moldaram não só suas carreiras, como parte de suas vidas. Correr a Indy 500 estava no sangue deles.

Havia alguma forma de correr a Indy 500 sem abdicar dessa parte do automobilismo que fazia as equipes terem razão de existência? A priori, não. Nenhuma das fabricantes de chassi e motor da CART queria se empenhar para fazer chassis cheios de efeito solo ou motores aspirados de grande volume da IRL, enquanto a IRL não voltaria atrás das especificações já feitas para Dallara, G-Force, Oldsmobile e Infiniti.

Os donos de equipe que queriam essa união, encabeçados por Penske, tinham apenas uma esperança. As especificações de motores e chassi da IRL mudavam a cada três anos. Se eles conseguissem convencer Tony George a estabelecer especificações de chassi e motor mais parecidas com as já regulamentadas pela CART para as temporadas de 2000 a 2002, como motores de menor capacidade, ou turbo, e chassis com maior desempenho aerodinâmico, as montadoras poderiam desenvolver e fabricar carros nessas especificações e as equipes poderiam correr ao menos a Indy 500. 

George pretendia anunciar essas novas especificações em novembro de 1998. As conversas iniciais foram intermediadas por Penske e Mercedes durante a Indy 500 daquele ano, e no outono daquele ano, as quatro montadoras da CART (Honda, Ford, Mercedes e Toyota) fizeram uma proposta a George com as especificações de um motor V8 Turbo, com capacidade de 3.0 a 3.5 L sem pushrod (usado nos motores Mercedes em 94), stock blocks ou limitação de giros (como os motores que a IRL usava). George e a IRL, a priori, consideraram a adoção de algumas ou todas essas especificações, mesmo que isso acarretasse maior custo para as equipes e montadoras, mas não aceitou de modo algum mudar o modo de relação montadora/equipe da IRL.

A IRL e a CART tinham relações diferentes entre as montadoras e as equipes. Enquanto na CART a manutenção e troca de peças ou reconstrução do motor eram feiras pelas montadoras, para que elas possam proteger sua tecnologia e evitar as modificações que equipes poderiam fazer sem autorização; na IRL as montadoras vendiam apenas o motor em si, sendo que manutenção e todas as atividades extras seriam custeadas ou desenvolvidas pelas equipes. Isso incomodava as montadoras da CART, que estavam acostumadas ao desenvolvimento em parceria com as equipes em testes e as modificações em conjunto, aprovadas por ambas e realizadas pelas montadoras. Com o modelo da IRL, isso é impossível e as equipes poderiam simplesmente tomar a dianteira e fazerem tudo sozinhas, além de descobrirem por si só os segredos das montadoras. George não abriu e nunca abriria mão desse item importante que, segundo ele, segregava as equipes, já que apenas as equipes de maior estrutura participavam do desenvolvimento e as menores ficavam 'reféns' das montadoras e seus acordos com as equipes maiores.

Sendo assim, o acordo que parecia impossível era mesmo impossível. A IRL anunciou que os próximos motores da categoria seriam de 3.5 L, aspirados e com limitação de velocidade. Além diso, estenderam a validade das especificações de três para cinco anos. 

Assim, ainda não restavam alternativas para Penske a não ser continuar na CART. Entretanto, Roger não estava muito satisfeito com as decisões tomadas pela direção da CART, incluindo a liberação de parte do capital da CART para a bolsa. Essa era uma aposta de risco, e quando o preço das ações começaram a baixar, durante o segundo trimestre de 1999, Penske vendeu quase todas as suas (outros donos de equipe também venderam ações, mas nenhum vendeu tantas ao mesmo tempo quanto Penske). As restrições das propagandas tabagistas, o início da guerra entre as construtoras de motores e os seguidos insucessos com a construção de chassi próprio, fizeram Roger desanimar cada vez mais da CART e iniciar o plano de correr a Indy 500 novamente.
Penske voltando e ninguém percebendo. RIP Jason Lefler.
Em 2000, Penske voltou a ativa em atividades da Indy 500, mas como patrocinador da Treadway e Jason Lefler para que, duas semanas depois da Indy 500, Fred Treadway cedesse alguns de seus G-Force Oldsmobile para Gil de Ferran e Hélio Castroneves treinarem no próprio IMS. Penske aproveitou o ensejo do teste e anunciou que iria correr a Indy 500 do ano que vem, com esse mesmo carro e esses dois pilotos. Daí teve início uma série de testes com os carros da G-Force e da Dallara, com motores Oldsmobile em ovais durante todo o ano de 2000 e no início de 2001, sendo o teste final na abertura do campeonato da IRL, em Phoenix, de Dallara. Todo esse treino deu frutos e a dupla da Penske fez dobradinha na Indy 500, uma volta em grande estilo, sem dúvida.

Mas toda essa sessão de testes era mais do que preciosismo para não fazer feio novamente em Indianápolis, como em 95. Penske dava uma mensagem a todos os envolvidos com corridas, seja da CART ou da IRL: ele consideravam fortemente mudar para a categoria que corria apenas em ovais, mesmo nas regras impostas por Tony George. A saída da Mercedes da CART, anunciada em agosto de 2000, e a não fabricação de mais chassis Penske para as temporadas de 2000  e 2001 veio a corroborar essa mensagem. 

Quando Penske correu e fez dobradinha na Indy 500 de 2001, todos já sabiam o que viria mais pra frente: Penske, com Malboro e tudo, estaria na IRL no ano seguinte e escancarando a porta para muita gente vir em 2002 e 2003, agravando a crise da CART de forma terminal até a bancarrota.



Essa postagem faz parte da série "A cisão de 1996" que também conta com:

*: Eu fui burro e coloquei que Bruce McCaw era um dos donos da Bettenhausen, troféu joinha por eu só esquecer da história da família Bettenhausen.

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